domingo, 26 de junho de 2011

Mamãe me mandou um texto de um livro de Josue Montello por e mail do qual me identifiquei bastante. Quem se apega mais a lugares do que a pessoas se identificará também.

" Friburgo, 13 de abril
Despeço-me da paisagem que me acostumei a contemplar de minha janela,neste pedaço rústico de Friburgo, onde há dois anos,toda branca e de janelas azuis,ergui minha casa de campo.
Vou sentir saudades desta paz,desta luz, das arvores que sobem o morro,do meu quintal, do riozinho que vem cabritando sobre a aresta das pedras,na descida da montanha.
As coisas não podem ser como a desejamos, embora tenhamos frequentemente a impressão de que as dispomos segundo as determinações de nosso sonho e de nossa vontade.
Ergui esta casa compenetrado de que fecharia aqui a parábola da vida, no momento em que sentisse chegar a hora de deixar a canata junto ao tinteiro,à espera da claridade de Deus diante de meus olhos. AquOi escreví , em grande parte,Os degraus do Paraíso,romance que coincide com a minha maturidade. Alí,naquela rede maranhense,cujas varandas largas roçam o chão, li alguns livros decisivos para o meu pensamento,como o Wilhelm Meister, de Goethe, e A montanha mágica, de Thomas Mann.
Entretanto, se eu gostava, como gosto, deste ar, desta paz, este silêncio não gostavam de mim,na serenidade do clima seco destas alturas.Mal chegava aqui,o coração disparava, na frequência da taquicardia.Se não era a taquicardia, era um desconforto qualquer que vinha ao meu encontro, obrigando-me a preferir um clima úmido , como o de Petrópolis,para o sossego de meus fins de semana.
Digo adeus a tudo isto como quem se despede de um recanto que há de recordar como turista. Passei por aqui. Guardo cada cor,cada galho, cada beiral de telhado, cada árvore,cada nesga de estrada, cada canto de passarinho, e este rolar da água do rio, como se tudo isto passasse ao dominio da memória, sem oportunidade de regresso.Daí os olhos molhados com que, dentro de alguns momentos, vou passar a chave na porta da rua, para entregá-la a novo dono. "

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Memórias de verão

Já somam-se cinco lugares pelos quais já dormí, tomei banho e fiz refeições. É legal o tipo de aventura de as vezes não saber onde você vai dormir na outra semana. Mas quando se anda milhas e milhas com mala e mochila nas costas, tudo o que você mais quer é um bom canto onde cair morto. Encontrei um bom lugar na fronteira de Surfers Paradise com Broadbeach que é bem agradável e longe da vizinhança emplastificada e barulhenta de surfers. O pequeno condomínio de 5 andares parece ter já um tempo de vida e tem janelas para a simpática calçada que tem vista para um parque para famílias na praia. Na minha primeira noite em que me finalmente caí no colchão após três viagens ao outro apartamento para pegar o resto das tralhas que faltavam, me peguei com cabeça no travesseiro, um certo cheiro me veio ao nariz e me fez lembrar nossa casa de veraneio em Paracuru.
Com certeza não há o que comparar com a dormida em paracurú uma vez que na verdade estava eu no desejo de me materializar lá. Acordar com o cheiro de mar, o mesmo cheiro trazido pelo vento que após circular pelo cajueiro, pela mangueira e pelos dois pés de siriguela, fez vibrar as palhas do coqueiro para depois me acordar de um sono semi-iluminado pela luz da lua que entrava pela janela. A nossa casa de venareio tem história. Literalmente foi teto de muitos carnavais dos nossos pais, na época em que usar lança-perfume era glamouroso. Uma das coisas mais chocantes foi ver meu pai fantasiado de mulher. Não há como falar de carnaval no paracuru e não lembrar quando eu e minha prima Raquel estávamos banhados e vestidos, devidamente sentados e comportados, penteados num dos banquinhos da pracinha, veio um homem fantasiado em nossa direção, a fantasia não poderia ser mais macabra, ( ele estava fantasiado de carrasco ) andou, chegou e parou daí tirou dois ovos e quebrou um em cada cabeça e, na trilha sonora do choro de Raquel e chiclete com banana fomos limpar o estrago na bica que dá para o jardim em casa. Boa parte da história do casarão( quando foi construída pelo meu avô ) eu desconheço um tanto e cabe melhor aos filhos de Cesário Furtado leite ou Dona Terezinha contar melhor, porém, foi debaixo daquele teto que meus pais casaram, mamãe grávida de meu irmão, os familiares e o padre. Sem saxofone e buffet de 10 mil contos, do jeito que, se eu fizer um dia, será. Entrando na máquina do tempo eu me vejo aos prantos esperando pelo meu pai em casa, de malas prontas, ansiedade a mil para cair na estrada e ir pro tal do Paracuru. A hora de colocar as bicicletas no chevette era um aborrecimento a parte para o papai. Até uma certa idade " paracuru " foi pra mim o nome da casa de veraneio e não a cidade. Lembro voltando da praia com papai, não lembro minha idade, só lembro que eu era muito pequeno ainda. Eu falava pro pai: " pai, vamos pro paracuru". Mas filho, nós estamos no Paracuru. Chegando em casa após a praia tinha banho de piscina com trilha sonora da vitrola de Cesário tocando alguns hinos militares e Luiz Gonzaga. Ah como eu lembro da estrada de São gonçalo do Amarante. Papai parava o chevete naquele bar de paredes verdes onde os caminhoneiros e habitantes da pequena cidade jogavam sinuca e namoravam. Lembro de tudo, até da placa do guaraná Brahma no poste de luz. Parávamos lá sempre e tomávamos refrigerante, o refrigerante tinha outro gosto. Chegávamos em casa sonolentos, abríamos aquelas grandes portas e fugíamos dos morcegos. Passávamos um mês naquela casa, toda a familia, eu , meu irmão, primos e primas, tios, tias e avós. Éram nossas férias de julho e de final de ano. Ficávamos pretos de sol e eu até ganhava umas gramas a mais que só eram ganhos por causa do vatapá da vovó. As mesmas gramas que ganhávamos , perdíamos nas congestões intestinais que eram devidas aos jambos, mangas, siriguelas e goiabas misturadas com quebra - queixo ( quem não esquece o quebra-queixo de paracuru) , sempre terminava em dedo na guela. Não haveria férias para nós, crianças se não houvesse aquela casa. Apesar do regime de colégio semi - internato que reinava na casa ( horario para dormir, acordar, hora de rezar o terço, silêncio após o almoço, e o nosso despertador de todas as manhãs que eram os gritos da vovó na cozinha para com alguém, na maioria das partes com o Cesário, meu avô, as outras com dona Margarida. ) A mamãe ia ao paracuru ao princípio sem problemas, depois continuou indo porque não havia outro jeito, de alguma maneira a mamãe não se encaixava com o jeito Furtado Leite de ser, a própria atmosfera não era tão hospitaleira, por isso , nas tentativas de respirar um pouco longe das grades do casarão, ela ia as dunas, e nós, principalmente nossas primas iam a loucura simplesmente porque ela era a tia Sandra que ia para as dunas com a gente ver o pôr do sol. Era o por do sol mais lindo. A noite depois da janta, íamos andar de bicicleta na pracinha, nós e várias outras crianças. As grandes caixas de som pregadas nos postes, tocava muitas vezes bob marley entre outros hits dos anos 80 (roxette, men at work), os surfistas que hoje em dia são avós dançavam aos pulos e nós circulavamos a igrejinha de paracurú que era tão bonita, hoje, cafonizada. Sempre havia também o pequeno parque de diversões, com direito a roda gigante e maçã do amor. Noite memorável a que fiicamos presos na roda gigante quando faltou energia na cidade. Nosso banquinho enferrujado rangia ( nhen-nhem) lá no alto, e com frio na barriga deslumbrávamos a cidade de paracuru iluminada somente com a luz da lua. Quando eram fim de férias, depressão era ter que ir de manhã pra aula levando no corpo ainda os resquícios das férias mágicas. Lembro de flagrar meu irmão, ainda criança orando e falando com as plantas, se despedindo e prometendo voltar em dezembro. Tal qual a roda gigante em que o banquinho ficava as vezes lá no alto, depois em baixo, foi a história da casa do paracuru. Muito tempo se passou e houve uma época em que esteve a venda. Ainda com placa de " vende-se" nós íamos passar um feriado. Era triste ver a piscina coberta de lodo e sapos e a placa de " vende-se" era a ameaça que em breve outras pessoas iriam desfrutar do nosso paraíso, e que nós nunca mais iríamos acordar de manhã cedo com o cheiro do café e dormir a noite nos braços da lua de paracuru. Por amor aquela casa e em nome de toda a família, papai comprou a casa, afinal, dentre 10 palavras que saem da boca de meu pai, 8 são " paracuru " . Hoje a casa de paracuru continua a mesma, algumas boas mudanças feitas pela mamãe e papai, . Os mesmos azuleijos e o imenso banheiro que tem espaço para uma partida de futebol. A mesma piscina em formato de boca. O mesmo pé de siriguela. A mesma brisa do mar e canto dos pássaros. Todas as fases de minha vida passaram por aquelas paredes, desde na barriga de minha mãe, minha fase criança, minha fase adolescente, fase de palmeirense jogando futebol nas pracinhas, (os banquinhos eram as traves), minha fase de pescador, (foi lá onde pesquei o meu primeiro peixe, uma sardinha, corrí pra mostrar pros meus pais e Riba-Mar e Tereza disseram qual era a espécie). Como falar de paracuru aqui e não lembrar desse casal, Riba Mar e Tereza, pessoas que também ficarão pra sempre na memória. Ainda hoje a barraca está lá naquela praia paradisíaca, tem o peixe frito mais fresco de todos. Dia inesquecível de chuva, papai se tornou pescador por minha causa e ele pegou um grande peixe alí perto do curral, uma " golosa " meu coração quase saiu pela boca quando ouví o papai gritar de emoção. Papai acomodou o peixe em seu chapéu de palha. Ele e eu sentíamos dó do bicho, e tal qual dignos pescadores honramos a refeição que Deus nos dera e levamos ao riba-mar para comermos com farofa. A bacia do curú sempre fora um dos melhores lugares para a prática do surf, se não o melhor do ceará. São ondas reconhecídas a nivel internacional e foi berço de uma das melhores surfistas do circuito mundial Silvana Lima, que inclusive esteve um desses dias por aqui na Austrália.
Apesar de passar tanto tempo por lá, sempre tinha vontade de pegar onda, mas me faltava companhia, que vim a ter nos meus 18 anos quando amizade construída com amigos de colégio. Paulo (xuxinha) André e Diego. Inesquecíveis as férias que tínhamos. Surfávamos de manhã e de tarde, íamos a noite pra pracinha, as meninas se aproximavam com nossa presença, éramos sempre os mais requisitados ( pra não dizer Eu, modéstia a parte ).
Voltávamos ao colégio cheios de estórias e paixões. Passaram-se também muitos outros momentos, outros tão intensos quanto, outros, nem tanto. É sempre muito bom aquela casa toda cheia, me dava uma sensação de conforto e segurança. Quando em fortaleza as vezes eu me pegava pensando na casa quando ninguém estava lá, somente os morcegos, me batia uma tristeza, tal qual se a casa tivesse vida própria e se sentisse sozinha.
Devemos agradecer a quem colocou aquela casa de pé sobre as raízes da nossas vidas e por terem construído o palco dos melhores momentos da nossa infância, e obrigado ao meu pai por não ter deixado o vento corrosivo da vida ter levado o Paracuru para longe do nosso futuro.